A criação do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação (PPG-REAB), primeiro programa da UFBA e de todo o estado da Bahia na Área 21 – Educação Física (que integra as subáreas de Educação Física, Fonoaudiologia, Fisioterapia e Terapia Ocupacional), foi aprovada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Serão oferecidas inicialmente 18 vagas por semestre para o curso de mestrado, com a previsão de matrícula de alunos regulares a partir do segundo semestre de 2020.
O PPG-REAB será estruturado em duas linhas de pesquisa: “Avaliação, diagnóstico e terapia no campo da reabilitação” – mais clínica, voltada para a ampliação do conhecimento, promoção de ações interdisciplinares qualificadas e inovações tecnológicas, em áreas como reabilitação neurológica, saúde do idoso, saúde do trabalhador, dentre outras populações específicas ou vulneráveis; e “Políticas, formação e práticas sociais em reabilitação” – mais voltada para políticas públicas, modelos de atenção, organização de serviços e formação profissional em saúde.
O Programa será instalado inicialmente no Instituto de Ciências da Saúde (ICS), no vale do Canela. Segundo a coordenadora do programa, Maria Lúcia Vaz Masson, professora do departamento de Fonoaudiologia do ICS, existe a possibilidade de iniciar o programa já em 2020.1, com ofertas de algumas disciplinas para alunos especiais. “Estamos buscando essa alternativa para já iniciarmos no primeiro semestre de 2020. Caso seja viável, realizaremos um processo seletivo simplificado, com três disciplinas optativas, além de seminário aberto aos interessados, no qual apresentaremos o programa, as linhas de pesquisa e os projetos de pesquisa dos professores”, afirma. O projeto de criação do Instituto Multidisciplinar de Reabilitação e Saúde, onde futuramente deverá ser sediado o PPG-REAB, foi aprovado pela Congregação do ICS e agora está em análise no Conselho Universitário (Consuni).
Sobre fato de o PPG-REAB ser o primeiro programa de pós-graduação da área 21 da Capes no estado da Bahia, a professora sinaliza que “há uma grande demanda reprimida, particularmente de egressos dos cursos de Fonoaudiologia e Fisioterapia que, por falta de oportunidade, acabam buscando qualificação em outras áreas. A oferta do PPG-REAB permitirá qualificar nossos alunos na sua área de atuação. Ademais, vale ressaltar, que o programa será aberto a quaisquer profissionais da saúde que queiram aprofundar seus estudos no tema da reabilitação”.
Dados do Censo 2010 apontam que no Brasil 24% da população possui alguma deficiência. A região Nordeste é a que manteve a maior prevalência de pessoas com deficiência nos Censos de 2000 e de 2010. Conforme ressalta a proposta do programa de pós-graduação, há uma significativa legislação que subsidia a garantia de direitos, bem como a formulação de políticas e programas destinados às pessoas com deficiência e outros grupos vulneráveis. Por exemplo, a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência, criada pela Portaria nº 793, de 24 de abril de 2012, que tem entre as suas diretrizes a garantia de acesso e de qualidade dos serviços, ofertando cuidado integral e assistência multiprofissional, sob a lógica interdisciplinar, atenção humanizada e centrada nas necessidades das pessoas, diversificação das estratégias de cuidado, dentre outras
“Considerando a situação de saúde de pessoas com deficiência e em situação de vulnerabilidades na Bahia e em todo o Brasil, que demandam ampliação e melhoria do acesso a profissionais e serviços de reabilitação de qualidade, tanto do ponto de vista técnico-científico quanto político-social, espera-se que este Programa fomente a qualificação destes profissionais e a formação de pesquisadores no campo das Ciências da Reabilitação aptos a analisarem e implementarem mudanças político-organizacionais e tecnológicas, numa perspectiva interdisciplinar entre as subáreas da Área 21, com vistas à garantia do direito à saúde e à melhoria da qualidade de vida desta população”, afirma o documento com a proposta do novo programa.
De acordo com a coordenadora Maria Lúcia, a Bahia é um estado que, embora registre avanços na implementação de centros especializados de reabilitação, não avançou numa conexão de rede de atenção em saúde mental e voltado às pessoas com deficiência. É neste tipo de instituição ou em clínicas especializadas que parte considerável dos estudantes realiza práticas e estágios profissionalizantes, explica ela. “Ao concluírem a formação, esses profissionais comporão o quadro de especialistas da reabilitação, inclusive no interior do estado, onde é ainda maior a defasagem de uma rede de atenção em diferentes níveis de complexidade e com enfoque na atenção básica à saúde (ABS). É para estes profissionais que se destina o PPG-REAB, no intuito de que reflitam sobre a dimensão dos problemas vivenciados pela população assistida e, particularmente, a que está fora dos muros institucionais, no sentido de construir propostas mais condizentes e resolutivas para os sistemas de saúde e para a vida das pessoas”, afirma.
Fazem parte do corpo docente do programa 14 professores, todos com formação na Área 21, sendo sete fonoaudiólogos, cinco fisioterapeutas, uma terapeuta ocupacional e um profissional de educação física. “A proposta do PPG-REAB é contemplar todas as subáreas da Área 21 da Capes, composta pelos cursos de Educação Física, Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional. Ao considerar a reabilitação como eixo transversal norteador, todas as subáreas se articulam a esse eixo principal por meio da área de concentração sobre Processos Clínicos e Sociais em Reabilitação”, ressalta a coordenadora.
Ela também aponta o investimento da UFBA no ingresso e permanência de pessoas com deficiência, através da criação, em 2006, do Núcleo de Apoio às Pessoas com Necessidades Especiais (NAPE), instância que atua na produção de material didático e na formação de professores. Segundo Masson, em 2012, a Universidade contava com 62 pessoas com necessidades educacionais especiais e isto motivou a elaboração do Plano de Acessibilidade da Instituição. “Estes aspectos são de extrema relevância para a criação de um Programa que também deverá facilitar o acesso e permanência de estudantes com deficiência em programas de pós-graduação. Contaremos com o NAPE para garantir as condições necessárias para a entrada e permanência de nossos alunos”.
A professora cita ainda a criação do curso de Terapia Ocupacional pela Faculdade de Medicina (FMB), recentemente aprovado pelo CAE, que atende a uma reivindicação antiga das categorias profissionais para a sua oferta numa instituição pública e de qualidade como a UFBA. “Esta é uma conquista para os terapeutas ocupacionais da Bahia e de todo o país. Assim como os fisioterapeutas e fonoaudiólogos, os terapeutas ocupacionais careciam de um espaço de reflexão e produção de conhecimento que de fato possa responder às questões mais prementes oriundas das suas práticas e relacionadas aos grupos sociais por eles atendidos”.
De acordo com ela, o corpo docente do programa apresenta um grande potencial de internacionalização, com parcerias em projetos de pesquisa, financiamentos e estágio de pós-doutorado em instituições internacionais de grande relevância. Entre as quais, ela cita a London School of Hygiene and Tropical Medicine e University College London, no Reino Unido; Harvard University, University of Illinois – Urbana-Champaign e Universidade do Kansas, nos Estados Unidos; University of Technology (Canadá); University Hospital Zurich (Suiça); Universidade das Ilhas Baleares (Espanha); Universidad Nacional de Rosário (Argentina) e Organização Pan-americana de Saúde (OPAS).
A implantação do PPG-REAB foi celebrada em evento realizado no último dia 02 de dezembro, no ICS, logo após a publicação do resultado pela Capes, em 28/11. A cerimônia contou com a presença do diretor do ICS, Roberto Paulo Araújo, estudantes, professores e técnicos. “Foi um momento histórico”, considera Masson, que acredita que essa conquista representa o amadurecimento científico-acadêmico de um corpo docente que, apesar de jovem, tem se engajado em pesquisas de grande relevância social, demonstrando seu amadurecimento científico-acadêmico.
A coordenadora do PPG-REAB, Maria Lúcia Vaz Masson, é professora do departamento de Fonoaudiologia, do Instituto de Ciências da Saúde da UFBA, fonoaudióloga, mestre em Distúrbios da Comunicação (PUC-SP), doutora em Educação (UNESP-Marília) e pós-doutora pela Harvard Medical School. É diretora Científica da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia (2017-2019), membro do Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Bahia (ICS/UFBA) desde 2017, sendo coordenadora a partir de 2018. Compõe o corpo editorial das revistas CoDAS e Distúrbios da Comunicação; sendo parecerista ad hoc dos periódicos Audiology – Communication Research (ACR), Revista Brasileira de Epidemiologia, Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, Cadernos de Saúde Pública e Logopedics Phoniatrics Vocology. Editora associada da Revista Brasileira de Saúde Ocupacional para o tópico Distúrbio de Voz Relacionado ao Trabalho (DVRT).
Uma perspectiva ampliada de Reabilitação e Saúde
O recém-criado Programa de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação da UFBA investe em uma proposta inovadora de formação em reabilitação, considerando aspectos sociais e da saúde dos grupos envolvidos. De acordo com a coordenadora do PPG-REAB, Maria Lúcia Vaz Masson, a proposta tem como importante diferencial uma perspectiva mais ampliada e social do conceito de reabilitação, a exemplo da reabilitação baseada na comunidade (RBC). “O PPG-REAB tem como filosofia a atuação junto a populações vulneráveis. É nossa função social e educacional: facilitar o acesso a populações historicamente excluídas do processo educativo”.
A coordenadora explica que o modelo RBC é orientado para a comunidade, com o foco no território e em função dos princípios de hierarquização e regionalização do Sistema Único de Saúde (SUS). “No processo de reabilitação, a prevenção de agravos e a promoção da saúde também estão incluídas, ampliando o leque de opções terapêuticas, as quais transformam a tomada de decisão clínica numa conduta complexa, de modo a atender as necessidades terapêuticas e sociais da população. Constitui-se como uma estratégia de desenvolvimento comunitário para a reabilitação, oferecendo igualdade de oportunidades, redução da pobreza e inclusão de todas as pessoas com deficiência”, analisa.
A noção de reabilitação, termo polissêmico, está ancorada nesta proposta a partir de uma concepção de deficiência que a considera como uma relação social que envolve barreiras e impedimentos à participação e não mais um atributo unicamente individual. Tal concepção é capaz de abarcar não apenas pessoas com deficiência, como também aquelas com transtornos mentais, dentre outros grupos em situação de vulnerabilidade.
A professora aponta a transição epidemiológica e demográfica por que passa o Brasil, com o envelhecimento da população e o crescimento da prevalência de fatores como a obesidade e o sedentarismo, o que são fatores de risco para o desenvolvimento das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), que, segundo dados do Censo 2010, responderam por 73,9% dos óbitos no Brasil, dos quais 80,1% foram devido a doença cardiovascular, câncer, doença respiratória crônica ou diabetes. “Tais problemas de saúde têm consequências físicas e mentais importantes que exigem da rede de saúde estratégias de cuidado diversificadas e efetivas, especialmente no que se refere à reabilitação”, acrescenta a professora.
A estrutura do PPG-REAB contará Laboratório de Voz e Conforto Acústico; Laboratório de Audiologia; Laboratório Neurofuncional; Laboratório de Eletroterapia; Laboratório de Cinesiologia; Laboratório de Recursos Terapêuticos Manuais; Núcleo de Pesquisas em Fonoaudiologia; Núcleo de Estudos em Saúde e Funcionalidade; e Laboratório de Informática.
Além destes laboratórios, as pesquisas usarão os espaços de serviços de saúde da UFBA, como o Centro Docente-Assistencial em Fonoaudiologia (CEDAF) e a Clínica Escola de Fisioterapia (CEF), serviços de saúde vinculados aos Departamentos de Fonoaudiologia e Fisioterapia da UFBA, que atendem à comunidade externa em ações terapêuticas e são também campos para atividades de pesquisa clínica. Ambos contam com salas e consultórios com equipamentos de informática, além de material de apoio para diagnóstico e condutas terapêuticas.
Também integram essa estrutura os serviços de Fonoaudiologia e Fisioterapia do Complexo Hospitalar Universitário Professor Edgard Santos (HUPES), que fazem parte da Unidade de Reabilitação, vinculados à Divisão de Apoio Diagnóstico e Terapêutico. Todas as atividades assistenciais desenvolvidas são articuladas a ensino, pesquisa e extensão. Conforme explica a coordenadora, os estudantes do PPG-REAB poderão desenvolver nestes espaços estudos em campo de prática multidisciplinar, como já ocorre nos cursos de graduação e Residência Multiprofissional.